quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Apoteose do disfarce

Os vaticínios mais ou menos apocalípticos de final de ano são sempre curiosos. Em geral, à revelia de se pressagiar um 'difícil ano económico', as perspectivas tendem a ser optimistas, e, talvez neste final de 2008, o mundo aguarde soluções como provavelmente não se via desde o final da 2ª Guerra Mundial. A verdade é que, se recordarmos palavras de Walter Benjamin escritas em 1955, as expectativas ingénuas esboroam-se e levam-nos a crer que a instabilidade, a insegurança e a anulação da efectiva liberdade voltam como novos slogans de uma sociedade que vive cada vez mais para o disfarce (já Obama diz que vai mandar reforços para o Afeganistão). A guerra, a guerra.


A crescente proletarização do homem contemporâneo e a crescente formação de massas são duas faces da mesma medalha. O fascismo tenta organizar as massas recentemente proletarizadas, sem tocar nas relações de propriedade que estas pretendem eliminar. O fascismo vê a sua salvação no facto de permitir às massas que se exprimam mas, de modo nenhum, que exerçam os seus direitos. As massas têm direito a exigir uma alteração das relações de propriedade; o fascismo pretende dar-lhes expressão, conservando essas relações. Por conseguinte, o fascismo acaba por introduzir uma estetização na vida política. À violência sobre as massas a quem, através do culto de um 'fuhrer', o fascismo impõe a subjugação, corresponde a violência que sofre um aparelho utilizado so serviço da produção de valores de culto.

Todos os esforços para introduzir uma estética na política culminam num ponto: a guerra. A guerra, e só a guerra, torna possível fazer de movimentos de massas em grande escala um objectivo, mantendo as relações de propriedade tradicionais. Do ponto de vista político, assim se formula a situação. Do ponto de vista da técnica, formula-se da seguinte forma: só a guerra possibilita a mobilização dos actuais meios técnicos, mantendo as relações de propriedade. É evidente que a apoteose fascista da guerra não utiliza este argumento. No manifesto de Marinetti, sobre a guerra colonial etíope, diz-se: 'Há vinte e sete anos que nós, futuristas, nos manifestamos contra o facto de se designar a guerra como antiestética... por conseguinte, declaramos: ... a guerra é bela porque fundamenta o domínio do homem sobre a maquinaria subjugada, graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e tanques. A guerra é bela porque inaugura a sonhada metalização do corpo humano. A guerra é bela porque enriquece um prado florescente com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela porque reúne numa sinfonia o fogo das espingardas, dos canhões, dos cessar-fogo, os perfumes e os odores da putrefacção. A guerra é bela porque cria novas arquitecturas, como a dos grandes tanques, a da geometria de aviões em formação, a das espirais de fumo de aldeias a arder, e muitas outras'.

Este manifesto tem a vatagem de ser claro. A estética da guerra actual apresenta-se-lhe da seguinte forma: se o aproveitamento natural das forças produtivas for travado pelo sistema de propriedade, então o aumento de recursos técnicos, de ritmo, de fontes de energia, será impelido a uma valorização não natural. É o que sucede na guerra que, com as suas destruições, demonstra que a sociedade não tinha maturidade suficiente para incorporar a técnica como órgão seu, e de que a técnica não estava suficientemente desenvolvida para dominar as suas forças sociais elementares. A guerra imperialista é determinada, nos seus mais terríveis aspectos, pela discrepância entre os poderosos meios de produção e o seu aproveitamento inadequado no processo produtivo (pelo desemprego e escassez de mercados). A guerra imperialista é uma revolta da técnica que reclama sob a forma de 'material humano' aquilo que a sociedade lhe retirou como material natural. Em vez de canalizar rios, conduz a corrente humana ao leito das suas trincheiras, em vez de lançar sementes dos seus aviões, lança bombas incendiárias sobre cidades e, como a guerra do gás, encontrou um meio de aniquilar a aura, de uma nova forma.

"Que a arte se realize, mesmo que o mundo deva perecer", diz o fascismo e, como Marinetti reconhece, espera que a guerra forneça a satisfação artística da percepção dos sentidos alterados pela técnica. Isto é, evidentemente, a consumação da 'l'art pour l'art'. A humanidade que, outrora, com Homero, era um objecto de contemplação para os deuses do Olimpo, é agora objecto de auto-contemplação. A sua auto-alienação atingiu um grau tal que lhe permite assistir à sua própria destruição, como a um prazer estético de primeiro plano.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

" Tranquilidade. Penetrar num imóvel modernista tem qualquer coisa de experiência catártica, tranquilizante. Ser um ser circulatório entre as linhas amplas e espaços tecnocratas, desnudados, simplificados, espacialmente amplos e como que matematizados. Torna-se um espaço sensorial, exploratório, característica que o torna especial, ideal, para a exploração da arte – ou seja, de outros espaços sensoriais. Gosto de ir “à Gulbenkian” para isso mesmo, ou simplesmente para estar. O vanguardismo dos espaços continua actual, e circularei no complexo sempre com deleite visual. A orgânica é mecânica, não humana. Em cada ponto que se esteja, para cada plano que se olhe, constata-se uma composição arquitectónica cuja estética surpreende sempre pelo seu equilíbrio particular. Tenta-se, fugazmente, capturar a sua imagem. "

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

pró-forma

O despertador finge-se cool ao som de 'Absolutely Cuckoo'. Hoje toca cedo porque decidi contornar o ócio matinal, apanágio das manhãs de Inverno. Levanto-me e, instantaneamente ligo a televisão. Séries norte-americanas, como prato do dia (manhã, tarde, noite). Mas leves, que ao acordar não apetece ver o agente Cooper e afins. 09h20, devia ir fazer exercício (primeiro o emocional, depois o físico). A indumentária, ao sair de casa, surpreende-me. Burguesinha ocidental. Uma t-shirt verde/azul marinho com o símbolo da Adidas ('mas por que raio tens isto?'), umas calças justas e uns ténis Nike à la Amy Winehouse em ruas de Picadilly City. Eles não me pagaram a publicidade. Nem tampouco me lembro de me alugar no e-Bay como spot. Pró-forma. Hoje vesti-me pró-forma, como a miúda da periferia de Paris, ou do centro de Tóquio. Formatada.
Mas, curiosamente, entro no carro (burguesa ocidental) e penso-me, à revelia da indumentária de hoje, perfeito cliché woodyallenesco - tenho sessões de psicoterapia, leio McLuhan, vejo Bergman e rio-me da ironia que é ter medo da intimidade. Infelizmente não vivo em Manhattan. Nem tudo o que é pró-forma é completo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Do you take Dexter Morgan?


Maybe I'm making the biggest mistake of my life, but who's perfect? Certainly not me, certainly not Harry. Sure I'm still who I was, who I am. Question is what would I become. There so many blanks left to fill in. But right now, at this moment I'm content. Maybe even happy. And I have to admit, what I always said undone. Life is good.

Dexter, season 3, episode 12

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O passeio dos livros

Esquerda, direita. Esquerda, direita. Lá andam eles mais uma vez. Os livros. Passeam-se mais uma vez os livros, como ornamento bonito de se exibir. Viajam para cá e para lá nas mãos e regaços dos transeuntes. Mas raros são os discretos, mais costumeiros os portentosos. Grandes e imponentes pedaços de pasta de papel compactada de títulos sonantes. Olho em frente e uma mulher dos seus 30 anos enverga um José Rodrigues dos Santos, com o orgulho de um Joyce, desfolhando as páginas de letras gordas e espaçadas com as suas trabalhadas unhas de gel. Ao lado, a antítese, como que uma defesa da verdadeira literatura perante essas odiosas cópias. Um distinto senhor percorre as últimas linhas de um A Viagem do Elefante, com o afagado semblante daquele que termina uma leitura. É curioso como podemos fazer um reconhecimento por um livro. No fundo, haverá algo mais revelador do que aqueles que escolhemos por nossa companhia? Penso no Cervantes que tenho na mala, também ele parece querer-me dar conversa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

não estar

Começara a ver tudo com a distância dos renegados. Passeava pelos outros como puro espectro e sombra desfocada. Não conseguia erguer aqueles olhos mártires, baços, envidraçados pela indiferença. Nos sons e nas palavras só via futilidade e estúpidas redundâncias, substâncias ocas de esforços inúteis pelo mais ínfimo sentido das coisas. Olhava com o desdém da clareza e com a dureza da solidão. Desaprendera os hábitos, os gestos e os olhares. Sabia-se simples nome, simples injunção de consoantes e vogais. Injunção essa fácil de esquecer e de apagar pela imposição da ausência. Inexistente; porque sob o peso da ausência sabia-se verdadeiramente ninguém.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Suécia

Ando em movie sessions de Bergman e com vontade de passear pelas ruas de Estocolmo e cruzar-me com isto. Vamos?


Ou será que elas só o fazem em S. Francisco?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Banda Sonora de Inverno


Microcastle - Deerhunter

É o disco mais badalado deste final de ano e um dos meus grandes de 2008. Ouve-se em repeat por estes lados. Destaque para Agoraphobia (no vídeo), Microcastle e Neither of us, uncertainly. A crítica aqui.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Prosa cinematográfica


É o cinema uma arte? A arte existe? Se existe, o cinema será então, também, arte, na medida em que todo o cinema interpreta uma realidade, ou um sonho, uma acção concreta, ou um voo da imaginação.

O cinema é, pode dizer-se, uma síntese de todas as artes, e os seus realizadores imprimem, através da sua imaginação, imagens e sons com que constróem os seus próprios filmes, fazendo-se eles, do cinema, seus autênticos criadores.

Temos visto passar nos ecrãs toda uma variedade infinda de histórias, de técnicas, ou de processos. Mas eles surgem de cada vez - num cinema criativo, claro está - sob uma forma sempre nova.

Por isso, o cinema, como o teatro, a literatura, a pintura ou a música - elementos da síntese cinematográfica - é altamente dinâmico e a sua fisionomia transforma-se ao impulso do seu realizador, senão também às coordenadas da época.

Direi que, o teatro e o cinema serão sempre presentes pela necessidade do homem recriar a vida e de fixar-lhe a memória.

Eis que a velha guarda vos passa o testemunho. O futuro do cinema está nas vossas mãos. Confiai em vós e na vossa autenticidade. Não vos deixeis iludir por um público de multidão, tantas vezes enganador.

Sejamos sinceros connosco próprios, pois não haverá maneira mais nobre de amarmos o público.

E preservemos juntos o sortilégio de um ecrã mágico no fundo de uma sala escura onde olhos e ouvidos repousam atentos.

Manoel de Oliveira
Discurso proferido na entrega dos cartazes aos realizadores do futuro no Festival de Roterdão, 1988

Quando nós queremos e eles não

Hoje senti-me alvo do ataque dos falsos tecnocratas deste país de engenheiros (não levem demasiado a peito). Pois que a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) após abrir concursos nos centros de investigação universitários, e tendo o concurso terminado há algumas semanas, lembra-se agora que não tem capacidade de financiamento suficiente, especialmente para as Ciências Sociais e Humanas. Conclusão - congelamento de projectos e procrastinação de novas investigações.

Hoje fui a lesada, eu e as gentes das Letras. Sabem lá eles que silenciosos e ardilosos assassínios são estes. Querem engenharia aeronáutica em Portugal? Tenham-na. Querem desenvolvimentos na energia nuclear? Muito bem. Mas não assentem essa construção numa desconstrução paralela. Qualquer dia não temos pessoas a pensar e construir saber. É angustiante quando somos nós a querer e não podemos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Desafio

A Rute passou o testemunho:

1. Agarrar o livro mais próximo.
2. Abrir na página 161.
3. Procurar a 5ª frase completa.
4. Colocar a frase no blog.
5. Não escolher a melhor frase nem o melhor livro! Utilizar mesmo o livro que estiver mais próximo.
6. Passar a 5 pessoas.

Pois o que encontrei foi o seguinte:

'Capital byplay!' said the old man aside.

Lewis Carroll, The Complete Stories and Poems

Passo a mensagem agora ao Pedro, à Carolina, ao Mário, ao Francisco e à Maria del Sol.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Em repeat


Têm dos títulos mais arrojados do ano e fizeram do melhor da safra de 2008. Para aqueles que não são fãs de Artic Monkeys (como eu), vale a pena dar uma oportunidade a The Age of the Understatement, o trabalho de Alex Turner e Miles Kane, que vicia logo no arranque, com o tema homónimo que lhe dá nome.


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

sábado, 29 de novembro de 2008

de olhos cavos

Acordava nesse dia com o pesado estigma da realidade. Não queria. As páginas do calendário assinalavam aquela sexta-feira que queria simplesmente riscar, como um dia em vão, já findo. Pelo remorso da culpa, atravessou a porta e deixou-a bater, com uma inércia que a força do vento permitia. Antes disso, olhou-se ao espelho, penetrando o olhar irmão reproduzido e apreciou as olheiras sintomáticas da sua indiferença pelo quotidiano, e o branco já sujo dos olhos. Esses olhos já desencorajados, já desavergonhados, sem pudor de nada omitir. Esses olhos carregados de vácuo, dessa pesada leveza que amiúde se esvai, sem requisito prévio ou autorização. Ao sair, percebe-se, no fim das contas, em simetria com o mundo, hoje incerto, gélido e de pingos inevitáveis. E de olhos já trémulos, deixa-os ir, ao sabor da chuva.

sábado, 22 de novembro de 2008

colectividade animal

Entrou.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A devoção

Confirmei ontem a tese que formulei a partir do momento em que deixei de simplesmente conhecer Beach House para começar a nutrir pelo trabalho deles uma espécie veneração (coisa que aconteceu talvez no espaço de uma semana) - tenho sempre uma experiência de deleite como se da contemplação de uma epifania se tratasse. Será?

Por isso, qualquer comentário a respeito do concerto de ontem ou soaria a crítica pseudo-erudita ou a qualquer coisa do domínio da devoção inveterada (o trocadilho, devoção e tal. Não?)

Posto isto, apenas a dizer que ontem apenas faltou uma Childhood e uma Home Again. Qualquer coisa de onírico. Absolutamente onírico.

p.s. A Jana desenhou-me uma caveira. Arrepiei-me no D.A.R.L.I.N.G.

domingo, 16 de novembro de 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

feminino

Carlos Maria amava a conversação das mulheres, tanto quanto, em geral, aborrecia a dos homens. Achava os homens declamadores, grosseiros, cansativos, pesados, frívolos, chulos, triviais. As mulheres, ao contrário, não eram grosseiras, nem declamadoras, nem pesadas. A vaidade nelas ficava bem, e alguns defeitos não lhes iam mal; tinham, ao demais, a graça e a meiguice do sexo. Das mais insignificantes, pensava ele, há sempre alguma coisa a extrair.


Machado de Assis in 'Quincas Borba'

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

conscience

Há algum tempo dizia, arrogantemente, que a consciência, na sua tradição ocidental, mais não era que um cómodo entrave e um inibidor convencionado da natureza humana. Ironicamente, hoje rodava The Divine Comedy no IPod, e surgiu isto: ... consciousness as a mere accessory of physiological processes whose presence or absence makes no difference, whatever are you doing (in 'The booklovers').
Contudo, pensei que a sua ausência ou presença não é assim tão indiferente e que, não obstante processo biológico, as suas repercussões, por muito que as pretendamos ignorar, subestimar ou atenuar, fazem ressentir-se. Mais não seja nos revolveres na barriga, nas borboletas no estômago, nos apertos no coração ou nas lágrimas delatoras dos mais temidos e recônditos sentimentos. Pode não ser mais que mera biologia. Mas e daí? Racionais, mas animais.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

he blows

We only reveal ourselves
And change ourselves
When we’re sheltered


Hanne Hukkelberg - 'The Northwind'


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Yes, we can



O caminho que se nos apresenta vai ser longo. A subida vai ser íngreme. Podemos não chegar lá num ano e talvez nem mesmo num mandato, mas América - nunca estive tão esperançoso como estou nesta noite que chegaremos lá. Prometo-vos - nós, enquanto povo, chegaremos lá.



terça-feira, 4 de novembro de 2008

el perro

Estou a faltar a duas aulas (em simultâneo) mas parece que não estou muito ralada, ora não me tivesse deparado com isto:

El Perro del Mar

3 de Dezembro - Cabaret Maxime

(Recorda-se que a 4/12 Lykke Li actuará no S.Jorge)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Metro Photo Challenge

Disseram-me para concorrer para o concurso de fotografia internacional do jornal metro, e eu mandei para lá umas poucas, por desporto...e muito surpreendentemente para mim, uma delas foi classificada como estando nas 100 melhores de Portugal...
Bem, e assim sendo, queria deixar aqui o link para quem quiser dar uma mirada. Agradeço a atenção de quaisquer votos/comentários que queiram, ou não, deixar lá!







domingo, 2 de novembro de 2008

a pulp fiction's girl

Hoje disseram-me, mais do que uma vez, que estava especialmente parecida com a Uma Thurman no Pulp Fiction (coisa que foi egocentricamente boa de ouvir). E, inevitalmente, os comentários fizeram acompanhar-se disto:

sábado, 1 de novembro de 2008

vultures

'Vultures', Jana Hunter

domingo, 26 de outubro de 2008

to be an author 2

Paul Valéry escreveu, em 1928, palavras consideravelmente vanguardistas que, lidas à luz da contemporaneidade, fazem-nos reflectir no potentado estético que é a era do mp3. Ora vejam:

Pouvoir choisir le moment d'une jouissance, la pouvoir goûter quand elle est non seulement désirable par l'esprit, mais exigée et comme déjà ébauchée par l'âme et par l'être, c'est offrir les plus grandes chances aux intentions du compositeur, car c'est permettre à ses créatures de revivre dans un milieu vivant assez peu différent de celui de leur création. Le travail de l'artiste musicien, auteur ou virtuose, trouve dans la musique enregistrée la condition essentielle du rendement esthétique le plus haut.

A possibilidade de transportar música, de ouvirmos o que queremos, onde queremos, quando queremos, constitui uma restituição do deleite da própria criação, que até outrora só ao criador podia pertencer. Por outro lado, mais do que um desejo, há uma efectiva necessidade sensível e sensorial de ouvir (isto ou aquilo) num determinado momento, exigência essa que, quando saciada, produz, com efeito, um prazer estético no seu mais elevado grau. É uma possibilidade de transformação e de atribuição de sentido até ao mais fútil dos momentos:

Il sera merveilleusement doux de pouvoir changer à son gré une heure vide, une éternelle soirée, un dimanche infini, en prestiges, en tendresses, en mouvements spirituels.

Abençoado IPod, que já nos proporcionaste tantas destas aestesis.

sábado, 25 de outubro de 2008

to be an author

The passion of all writing was the poet's desire to 'describe' the hallucinated 'picture in your mind with all its vivid colors, the light and the shade', in order to strike the gentle reader like an electric shock.

E. Hoffmann

Fragmentos de Viagem




























Cine em revista

Numa semana voluntariamente algo alienada do 'mundo da rede', houve tempo e espaço suficientes para passar pelo Doc Lisboa e ver a sessão dupla de 'Tell About Love' e 'Red Race'. Sobre o primeiro, curta de uma jovem francesa, há a elogiar o toque humano e o olhar bipolar sobre o amor. Mas há sobretudo que falar da pequena obra documental que é 'Red Race'. Trabalho centrado na manipulação precoce de crianças chinesas para a ginástica (em que assistimos às atrocidades e torturas que fazem o quotidiano dos miúdos de 5,6 anos levados para as Academias Olímpicas), é-nos dada uma visão hiper-realista da China de hoje, gigante que se auto-conserva, doutrina e incute os princípios da rigidez, da firmeza e do esforço, não obstante as lágrimas e a destruição emocional que isso possa implicar. Tudo em prol da grandeza de um país, do orgulho de tirar uma fotografia com a bandeira, ou ganhar uma medalha, nem que seja numa parola e maníaca competição de desenhos num infantário. Mutilação psicológica. Em repeat.

Em parceria, por ora nas salas de cinema comercias, a mais recente produção de Oliver Stone, W., que no seu estilo peculiarmente mordaz, nos revela cruamente aquilo que já há muito percebemos de George W. Bush, mas que chega a tornar-se chocante quando retratado - o típico americano médio, menino mimado criado nas festanças de cerveja e que, um dia, voltando-se para Deus, se julga responsável por empreender uma missão de resgatação do mundo, coisa que nada mais é senão infantil vingança e disfarçada justiça. No fundo, discute as pseudo terminologias dos oponentes como se de um jogo de Scrabble se tratasse e decide e faz a guerra, parabenizando os que mutilados ficam para engrandecer a Nação. Império. Despudoradamente, é isto.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

profecy

profeta, do grego prophetes, pelo latim propheta, pessoa que prediz por inspiração divina, oráculo, vidente, adivinho, pessoa que faz conjecturas sobre o futuro.

É profeta aquele que diz que a metafísica é a realidade que não se quer confundir com ela própria e, por isso, está em movimento.


Mas é também profeta aquele que a realidade define como Soft Parade.


When I was back there in seminary school, there was a person there
Who put forth the proposition, that you can petition the lord with prayer
Petition the lord with prayer, petition the lord with prayer
You cannot petition the lord with prayer!
Can you give me sanctuary, I must find a place to hide, a place for me to hide
Can you find me soft asylum, I cant make it anymore, the man is at the door
Peppermint, miniskirts, chocolate candy, champion sax and a girl named sandy
Theres only four ways to get unraveled, one is to sleep and the other is travel, da da
One is a bandit up in the hills, one is to love your neighbor till
His wife gets home
Catacombs, nursery bones, winter women, growing stones
Carrying babies, to the river
Streets and shoes, avenues, leather riders
Selling news, the monk bought lunch
Ha ha, he bought a little, yes, he did, woo!
This is the best part of the trip, this is the trip, the best part
I really like, whatd he say? , yeah!, yeah, right!
Pretty good, huh, huh!, yeah, Im proud to be a part of this number
Successful hills are here to stay, everything must be this way
Gentle streets where people play, welcome to the soft parade
All our lives we sweat and save, building for a shallow grave
Must be something else we say, somehow to defend this place
Everything must be this way, everything must be this way, yeah
The soft parade has now begun, listen to the engines hum
People out to have some fun, a cobra on my left
Leopard on my right, yeah
The deer woman in a silk dress, girls with beads around their necks
Kiss the hunter of the green vest, who has wrestled before
With lions in the night
Out of sight!, the lights are getting brighter
The radio is moaning, calling to the dogs
There are still a few animals, left out in the yard
But its getting harder, to describe sailors, to the underfed
Tropic corridor, tropic treasure
What got us this far, to this mild equator?
We need someone or something new
Something else to get us through, yeah, cmon
Callin on the dogs, callin on the dogs
Oh, its gettin harder, callin on the dogs
Callin in the dogs, callin all the dogs, callin on the gods
You gotta meet me, too late, baby
Slay a few animals, at the crossroads, too late
All in the yard, but its gettin harder, by the crossroads
You gotta meet me, oh, were goin, were goin great
At the edge of town, tropic corridor, tropic treasure
Havin a good time, got to come along, what got us this far
To this mild equator? , outskirts of the city, you and i
We need someone new, somethin new, somethin else to get us through
Better bring your gun, better bring your gun
Tropic corridor, tropic treasure, were gonna ride and have some fun
When all else fails, we can whip the horses eyes
And make them sleep, and cry.


quinta-feira, 16 de outubro de 2008

the freaks 2

Pouco relevante, mas hoje estou no mood adolescente de fazer disto um diário. Por cá a brilhante saga de Brás Cubas terminou e consta que afinal terei companhia para a Aimee Mann.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Entrecampos, anos 50


Sim, é o mesmo sítio...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

the freaks

Falta menos de uma semana para o concerto da Aimee Mann e parece que vai ser o primeiro a que vou sózinha. É irónico. Durante algum tempo julguei que poderia ser eu a salvar os 'freaks who suspect they could never love anyone'. Hoje, numa conversa sobre a postura blasé e arrogante dos críticos e artistas, ouvi, "acho que vais ser assim daqui a uns anos". Não desdenhei. Afinal a freak sou eu.

domingo, 12 de outubro de 2008

Em repeat


Num ano musical marcado por grandes regressos e algumas pujantes emergências (em que poderíamos destacar Shearwater e Bon Iver, sobretudo), a sueca de 22 anos, Lykke Li, é nome que impreterivelmente marcará igualmente a vaga de hypes deste ano.

Associada a nomes como Peter, Bjorn & John, e florescendo nesse cada vez mais prolífero espaço que é o sueco, Lykke Li apresenta uma pop simples mas simultaneamente requintada, doseando uma electrónica, que chega a roçar o funk, com o mais etéreo lo-fi (que por momentos nos leva a recordar a sonoridade de uma Mariee Sioux, das vagas de um new weird america, em 'Hanging High' ou 'Can't get that trumpet out of my head') . Uma aparente dicotomia que os tema de abertura do albúm Youth Novel, 'Melodies & Desires' e 'Dance, Dance, Dance' dirimem à primeira audição. Linearidade volátil que se mantém uma constante ao longo do albúm, coadunando-se na perfeição com as palavras de Lykke, ora doces e inocentes (In my weakest moments I weep / 'Cause I like the way, tears fit my cheek em 'Let it Fall'), ora frias e rígidas (If you wanna complain, I'm not the complaint department em 'Complaint Department'). Uma interessante conjugação de bipolaridades sonoras e poéticas que em 'Little Bit' têm a melhor síntese da génese que é todo o Youth Novel.

Hands down, I'm too proud for love
But with eyes shut
It's you I'm thinking of

I think I'm a little bit
Little bit
A little bit in love with you
But only if you're a little bit
Little bit
Little bit in lalalala love with me


Passa por Lisboa a 4 de Dezembro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O momento oportuno

A beleza de Virgília chegara, é certo, a um alto grau de apuro, mas nós éramos substancialmente os mesmos, e eu, à minha parte, não me tornara mais bonito nem mais elegante. Quem me explicará a razão dessa diferença?

A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro momento, porque, se nenhum de nós estava verde para o amor, ambos o estávamos para o nosso amor: distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos. Esta explicação achei-a eu mesmo, dois anos depois do beijo.


Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Saudades Frias


" Cuidado com a tristeza. Ela é um vício. "
G. Flaubert

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A vida não parece tão estúpida quando se acorda após uma boa noite de sono, se entra no carro e começa a dar Justice, se vai à livraria habitual (daquelas cujo dono é um verdadeiro apaixonado por livros) e se vem com as Memórias Póstumas de Brás Cubas numa mão e um queque na outra.

domingo, 5 de outubro de 2008

A life in 7

A Maria lançou o desafio de revelarmos 7 das mais marcantes músicas da nossa amostra de existência. Tal como ela o disse, também não sou grande apologista destas actividades blogueiras, mas a verdade é que a melomania é capaz das maiores manifestações de desbravamento de intimidades. Como tal, e sem qualquer ordem de preferência, a minha escolha, aqui fica.


Os Joy Division são muito provavelmente das bandas em que melhor me revejo. Pelo intelectual negrume, pela tragédia, pelos esgares depressivos. New Dawn Fades é uma súmula de tudo isso.





Ele perguntou-lhe se estava pronta. Eles disseram que sim. A Tears for Affairs mostrou que não.




São a única banda da actualidade a quem presto (moderado) culto. Com a Wake Up percebi que queria destruir as falsas metafísicas.




'Vai ouvir The Smiths'. Até hoje isto me inebria, pela sua genialidade, I Know It's Over.




A Feist foi a minha primeira grande descoberta indie, ainda durante as estranhas idades da adolescência. E Gatekeeper soou precisamente assim.





Se não é uma das melhores músicas do final do século XX, então perdi a fé na Humanidade. Do aceitar a melancolia, I See a Darkness.




E aquele que possivelmente será um hino até aos meus 40 anos, Have You Seen Her Lately?

To survive


Miauuu II

Zé Cár - los! Zé! Zé Carlos!
Quem é o maior galhofeiro do pedaço? Zé Carlos!
Quem inventou a penincilina? Alexander Fleming!

Estúdio pequeno (com camera man's em casotas), caras conhecidas, bolachas 'No Pares', madalenas e água Penacova. E a nuca esbelta de Ricardo Araújo Pereira, que um dia será húmus, uma espécie de cocó.

sábado, 4 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Gossip

Deus é um boato. Ora não estivesse o humano inconformado com a sua finitude. Deus é um boato. A âncora da falsa esperança para uma vida parca de sentido. Deus é um boato. O sofrimento do nada mais ser senão ser como essência daqueles que com clareza vêem, e a arrogância dos outros para os crédulos. Deus é um boato. Daqueles que destróem vidas. Deus é um boato. Que constringe e compacta a mais pura das liberdades. Deus é um boato. Veneno. Deus é um boato. Deus é a invenção humana para a sede de imortalidade. A religião, o alimento dos fracos. Deus é um boato. O boato que ao Ocidente legou o pecado e o peso da culpa pela paixão. Deus é um boato. Anulador do desregramento salutar. Deus é um boato. Destruidor da consciência individualmente passível de criação. Deus é um boato. Injecção anestesiante da massa obediente de antolhos, quais bestas, domesticada para ver só o Bem e o Mal. Deus é um boato. Apologista de um amor forçado. Deus é um boato. Corre de boca em boca. Deus é um boato. Antigo. Deus é um boato. Ainda não lhes perdoei. O boato.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

dá-me 12

Hoje li no JL que uma investigadora polaca de Linguística Cognitiva fez uma tese de doutoramento na qual apresenta a elencagem dos termos mais usados em cerca de 254 fados, alegando estar aqui subjacente a génese da cultura portuguesa. Ora se veja, se não é verdade se nos não regemos por estas 12 palavras - amor, paixão, ternura, amargura, dor, mágoa, pena, saudade, tristeza, destino, fado, sorte.

sábado, 27 de setembro de 2008

HP

Hoje pensei que os senhores da Hewlett Packard conseguem ser extremamente helénicos, ora não se lesse HP como agape, amor, em grego.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

smile

Uma das idiossincrasias mais fantásticas do jazz é a sua capacidade de, por melodias perfeitas, tratamudear (ou dizer com toda a minúcia das sílabas) as palavras de que todos temos carência de escutar e, não raras vezes, pudor de assumir. Lembro-me de aprender isso, primeiro com os instrumentais de Coltrane (esse espasmo inicial) e, mais tarde, sobretudo com Ella, de quem ainda hoje recebo sempre com semblante extasiado um Things are lookin' up.
Hoje, num final de tarde agradavelmente solarengo, cruzei-me, como se de um primeiro contacto se tratasse, com umas das singularidades maiores do jazz contemporâneo no que ao female vocal diz respeito, o mais belo albúm de Madeleine Peyroux, 'Half the Perfect World'. E palavras como as que a norte-americana declama em Smile não poderiam ter vindo em melhor altura - Smile, though your heart is aching, smile, even though is breaking, when there are clouds in the sky, you get by, if you smile trough your fear and sorrow, smile, and maybe tomorrow, you'll see the sun come shining through for you.
E, de facto, I'll find that life is still worthwhile.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Ele bateu com suavidade, e, com um sorriso algo envergonhado, perguntou: "Obras da literatura mundial?". "Sim, sim". Pela primeira vez em três anos senti que estava a ter uma cadeira harvardiana. Horas mais tarde concluí, porém, que acho que já não sei escrever ficção.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Hoje vi um rapaz com uma t-shirt dos The Jacksons na faculdade. E pensei, grosseiramente, que o Durex não tinha sido suficientemente eficaz.

domingo, 21 de setembro de 2008

Correspondência para o Norte


" O Inverno passou há meses, está sol e calor sempre, e a realidade passou a ser a de um Porto árido e inóspito diluído da identidade que eu concebia, sobram as memórias quasi alucinadas do que era...e sobram claro os sítios e respectivas pessoas que permanecem invariavelmente da mutabilidade ambiental dos sítios. Lisboa, a minha cidade, e o sul, têm uma identidade completamente diferente. Cá está sempre calor e sol mesmo que não esteja, é uma espécie de terminal para onde flúi e estagna tudo, é o terminal das linhas de comboio, a decadência arqueológica industrial…um cenário muito gráfico da degradação emocional da melancolia, e uma pessoa instala-se na impessoalidade. Cá o ritual do café é mais uma deambulação que um aconchego, e quando sair aqui do PC, vou descer os 4 andares do meu prédio arte-decó à Estado Novo, andar por entre ruas com prédios monolíticos à Estado Novo, com o tecnocrata cigarro, e transitar indiferentemente depois para as mourarias e alfamas onde eléctricos amarelos dobram esquinas a chiar - definitivamente isto não é o Porto, o norte...lembram-se do «Degredo do Sul» ? "



tempo...





" tens de fazer as pazes com a tua cidade de luz branca. o porto é um novelo romântico, lúgubre mas doentio.... "

e novamente o tempo...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

do ser pequenino

Ouve-se mais uma notícia sobre a falência do americano Lehman Brothers à medida que de semblante carrancudo se mete mais uma colher de sopa na boca. "Ah ah, isto está muito mau. Isto vai voltar a ser como era aí há uns anos, com as taxas de juro a 15%". Nova colherada. Responde-se - "isto vai ser como em 29, aposto". "Espero que não, mas não me admiraria", é retorquido. Leva o copo à boca, e suspira, mais uma vez. O mundo está em colapso, mas o resto da noite passa-se a discutir a boa equipa do FC Porto, e o fracasso do Benfica.

are you experienced?

Have you ever been to Electric 'Jimy'land? The magic carpet waits for you so don't you be late


A propósito do 38º aniversário da morte de Jimy Hendrix, podem ver e ouvir 'Foxy Lady'

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

a minha alma foi sempre assim, um espaço oco

Lê-se na edição deste mês da revista Ler um brilhante texto de José Eduardo Agualusa, que, encarnando Pessoa, faz uma breve reflexão, em tom sempre metafísico e, não obstante, coloquial, sobre o pensar-sentir pessoano, nas suas possíveis e múltiplas tranversalidades. E se daqui inferimos a intemporalidade humanista patente nas palavras de P, deslumbramo-nos igualmente com a genialidade do autor d'O vendedor de passados.

Ah, o tédio de ser Pessoa. Fui-o por distração, é verdade, como as pedras no seu sossego de pedras, e a erva crescendo e sendo erva, e passarem pássaros neste límpido céu de Verão. Tentei ser muitos para escapar de ser nenhum, e não consegui.

Chama-se alma ao interior oco de uma arma de fogo, que vai da parte anterior da câmara da carga até à boca - ou seja, é por onde sai a bala. A minha alma foi sempre algo assim, um espaço oco por onde disparava os sentimentos com que atingia, ou tentava atingir, o coração dos outros.

Ninguém consegue tornar-se um bom cantor, um bom dançarino, um bom pintor, um bom amante enquanto não se esquece de que está cantando, dançando, pintando ou amando. Entregar-se implica esquecer-se de si. Eu nunca me entreguei por completo à vida. Pensei-a sempre, e pensar demais a vida é não a viver.

Talvez tudo isto lhe pareça contraditório e confuso, e ainda bem. É contraditório e confuso e além disso estou morto. Bastante morto. Não exija coerência a um morto. A um morto exige-se que se decomponha o mais depressa possível, ou seja, que se desorganize. Estar morto é render-se por fim à entropia, desistir. Ah, como sabe bem desistir! Ao longo da vida preparei-me muito para a morte. Fui um campeão em desistência. Comecei, bastante jovem, por desistir do amor e da aventura; desisti das mulheres e depois da humanidade inteira (que é o que acontece normalmente aos homens que desistem das mulheres); desisti do dinheiro e da glória; desisti de uma carreira, inclusive a literária. Quando por fim a morte me estendeu a mão foi já sem lastro, sem um pensamento a prender-me, que me deixei ir.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Antony veste Prada


Parece que está em voga no mundo da moda ter bom gosto musical. Depois da actuação de Chan Marshall na Chanel, Antony Hegarty (para muitos conhecido como a voz e a palavra dos Antony & The Johnsons) produz agora um tema excluivo (Fallen Shadows) para um desfile da Prada. A soar mais a Hercules & Love Affair, o cantor inglês volta a cair nas boas graças da elite.

Para ouvir aqui

Richard Wright
1943 - 2008
" wave uppon wave of demented avengers march cheerfully out of obscurity into the dream "

Ela sabia que esta era a decisão correcta. Pensara nisso durante os últimos meses de Verão, estranhamente confiante. Nunca fora de tomar uma decisão de ânimo leve, por isso, quando assumia as suas resoluções, raramente voltava atrás. Pesava os plus e os extras, discernia os handicaps com a clareza que lhe era característica. Sabia quase sempre o que queria fazer, e dizia-o. "Não, eu preciso de fazer isto." Mas claro que como todas as maiores ou mais pequenas mudanças, a hesitação e o medo tomavam conta de si, e ao ler Wallace naquela noite, nunca o pensara tão veraz - "embora houvesse qualidades à superfície, existiam também defeitos escondidos ou certas lacunas, disso não havia dúvida, especialmente quando se pensa em tal às três horas da madrugada". E ria-se com a ironia dos clássicos, com a acutilância dos mestres.
Sabia que tinha que o continuar a fazer. Não tinha mais nada. A mais pura das verdades humanas, mas a mais cruel das realidades. Por momentos pensou que não acreditar num deus, num homem, numa mulher, num político, num artista, e acreditar apenas que mais não pode ser que um mosaico metafisicamente talhado, não era assim tão fácil de levar.

domingo, 14 de setembro de 2008


As soon as your born they make you feel small
By giving you no time instead of it all
Till the pain is so big you feel nothing at all

They hurt you at home and they hit you at school
They hate you if you're clever and despise a fool
Till you're so fucking crazy you can't follow their rules

When they've tortured and scared you for 20 odd years
Then they expect you to pick a career
When you can't really function you're so full of fear

Keep you doped with religon, sex and T.V.
And you think you're so clever and classless and free
But you're still fucking peasents as far as I can see

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

América Bucólica

'Hillbilly Hollyday' para os amigos; dizia-se de Karen Dalton ter a voz de Billie. Para Dylan, a melhor do country folk.

'It Hurts Me Too'
It's So Hard To Know How's Going To Love You The Best (1969)


Entrei no autocarro, numa zona portuária, Lisboa oriental. à volta há silos, armazens, fábricas, arqueologia operária, caminhos-de-ferro. Está sol, luz, e calor, uma manhã agradável, em que as outras pessoas trabalham. Ele percorre a avenida larga, as placas metálicas da carroçaria tremem, a caixa automática acelera com rigidez, gemendo, lentamente, disparam válvulas pneumáticas. A avenida é ampla e tem poucos carros, anda-se rápido e não há paragens, o autocarro transporta responsavelmente os passageiros naquela hora improvável de uma quase hora-de-almoço. Improvável também é o que eu lá faço, provando rotinas que não me pertencem, sonolento, mal conseguindo percepcionar lucidamente os elementos daquelas deslocações, distraído, letargico e alucinado num contexto tão saudável. Passa uma lambreta de forma errática à frente, nem olho para ela. Ouve-se a caixa a arranhar, freio pneumático;

- Ainda ha bocado ficou um debaixo do 28, no Oriente - a expressão dele é a de quem diligentemente despacha o serviço para poder ir almoçar, fala para mim.

" ficou um debaixo do 28 " ; "ali, há bocado..."

Ao conforto do mundanismo daquela manhã FM junta-se o elemento da morte de alguém no asfalto urbano, acidente de carro e destroços e sangue misturado em oleo, motas da polícia. O cenário da manhã mundana fica mais real, os elementos tornam-se momentaneamente mais perceptiveis, luz é reflectida dos vidros e metais exteriores, reflexão leve e abstracta daquela composição. Momentos depois já se retomou a serenidade, e a situação parece rotineiramente agradável.
" Olhe, hoje está bom tempo! "
Ele tem razão, está uma manhã bastante agradável realmente.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A casa da praia

A melhor coisa que me aconteceu este ano. Apetece-me dizer palavrões de alegria. Por causa deles.



Beach House
16 de Novembro
Cabaret Maxime

Que se lixem os Sigur Rós e a Joan. Sorry. Amores não se discutem.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

No, I know i'm not in danger

Já dizia o Kramer, 'Look at me and tell me that I'm not Kramer!'.
Um cover de Melanie Safka por Bonnie 'Prince Billy' e Tortoise que consta aqui:

The Brave And The Bold (2006)

Some say I got devil
Some say I got angel
But I'm just a girl in trouble
I don't think I'm in danger
Don't think I'm in danger
No, I know I'm not in danger
But some have tried to sell me
All kinds of things to save me
From hurting like a woman, and crying like a baby
Something like a woman, crying like a baby

And all the things that I have seen
Qualify me for a part in your dream
Qualify me for this dream

And though I'd like to tell it
Exactly how I feel it
Somehow the music
Hides it and conceals it
Hides it and conceals it
Oh, it hides

And all the things that I have seen
Can be hidden in a part of my dream
Gonna hide it in my dream

Some say I've got devil
Some say I got angel
But I'm just this girl in trouble
I don't think I'm in danger
No I'm not in danger
No, I know I'm not in danger.
(Some Say) I Got Devil - Tortoise & Bonnie Prince Billy

domingo, 7 de setembro de 2008

mad british

Hoje, dois petits moments de humor com:

Commercial Breakdown

Commercial Breakdown é um dos programas mais bem sucedidos da BBC. No ar há mais de 15 anos na televisão britânica, reúne os mais cómicos, estúpidos e sarcasticamente desgraçados spots publicitários de todo o mundo. Com Jaspers Carrotts.


Miss Swan

Interpretada por Alex Borstein, a personagem Miss Swan, do programa MadTV, é das caricaturas mais amorosas e estúpidas do humor britânico. Uma mulherzinha orgulhosamente tola e provocadora. Ora vejam.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

La ballade of lady and bird

Lady:
Bird...I cannot see a thing.

Bird:
It's all in your mind.


Lady & Bird (Keren Ann e Bardi Johansson)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

debruçando-se da escarpa falésia

Há dias em que tudo o que vejo me parece pleno de significados: mensagens que me seria difícil comunicar a outros, definir, traduzir por palavras, mas que precisamente por isso se me apresentam como decisivas. São anúncios ou presságios que me dizem respeito a mim mesmo e ao mundo ao mesmo tempo: e de mim, não os acontecimentos exteriores da existência mas o que acontece cá dentro, no fundo; e do mundo não um facto singular qualquer mas o modo de ser geral de tudo. Compreendem pois a minha dificuldade em falar disto, a não ser por alusões.

Italo Calvino in Se numa noite de Inverno um viajante


quarta-feira, 3 de setembro de 2008

olha o jacto!

Muitas vezes as mulheres fazem coisas estúpidas e estranhas. Acho que a mais hilariante que vi até hoje foi esta, envolvendo soutiens de água. De umas das melhores séries de sempre, Will & Grace.


aufiderzin

São 01:07 da manhã, como num outro qualquer dia de Setembro. Hoje, apetece-me ser nostalgicamente lamechas. Os amigos preparam-se para partir. Paris, Madrid, Dortmund, são os novos destinos de alguns. Para outros, o destino é a nova carreira, já fora do ocioso clã universitário da esplanada amarela e dos improvisados assentos de pedra, esse clã que só pensa em conversar, em pensar, em ouvir, em ler, em cantar, em dançar. Tudo e mais alguma coisa. E hoje, ao som do Let It Be, depois de algumas contidas despedidas e de palavras de consolo, confesso que as emoções fervilham e que as saudades e o medo se apoderam. Mas mais uma vez percebo que não trocaria esta saudade já de tudo isto por nada.

domingo, 31 de agosto de 2008

At Mount Zoomer!


Os canadianos Wolf Parade estão de volta com o seu segundo longa duração At Mount Zoomer e desenganem-se aqueles que julgam que esta é mais uma compilação de caóticas canções indie rock difíceis de penetrar como tínhamos em Apologies To The Queen Mary de 2005.
Este parece ser um albúm mais coeso, que opta por uma linha mais sofisticada e minimalista, sem cair, contudo, na repetição ou numa minúcia meticulosamente exagerada. Vemo-lo por exemplo na faixa Language City (um dos ex-libris do albúm) em que os órgãos à anos 80 (estupidamente fizeram-me lembrar um piano do sapo Cocas que ainda passeia cá por casa) e o dedilhar do baixo põem a cabeça a mexer à primeira audição. Mas dizer que o paranoia weird tão característico dos Wolf Parade foi anulado, seria, no mínimo, um erro, ora não fossem os temas da morte, dos sonhos despedaçados ou dos empty rooms repetirem-se. Assim, basicamente, é no confronto de faixas como California Dreamer, The Grey Estates ou Fine Young Canibals que percebemos quem são os Wolf Parade - esses senhores do som indie canadiano moderadamente arrojado. E ao ouvirmos, por fim, Kissing The Beehive, concluímos que é do melhor.

Kissing The Beehive - Wolf Parade

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Não era, concretamente

Lovin
Kind - The Concretes



she needed lovin' in the morning
he kept asking her why
to be held and comfort
in her bravest time
instead he gave her a feeling
she should run n' hide
without knowing direction or cause
if you were my lovin' kind
you wouldn't ask me why
but your not my lovin' kind
you turn to her, you turn to me, you turn to her.
she woke up tired of runnin'
decided to stay all day
to seek comfort in herself
and when it's time for her awakenin'
she'll do it alone
without needing to say
direction or cause.
if you were my lovin' kind
you wouldn't ask me why
but your not my lovin' kind
you turn to her, you turn to me, you turn to her.
Estranho era aquele estado
De permanenete ser opáco,
Naquela manhã de Novembro.
No intercalar de passos, correndo,
O fulgor do vento sussurrava baixinho
‘Vai depressa que Ela está atrás de ti.’
Fugir como ladrão,
De taberna de terceira do bairro
Soubera eu que o que mais queria
Era ser apanhado.
O ar cortante como vidros estilhaçados
Flagelava a face já dorida
Empedernida, vazia de querer
E paulatinamente
Parava, naquele banco de rua, como tantas outras vezes
Mas agora sem reveses.
E via-a, soturna
Melancolicamente calma, olhando.
Não era negra, como a chamavam
Diz-se que depende de quem a contempla
Pois que se triste, mais me parecia terna.
E a paz... Aquele não doer e remoer
Ali estava imóvel, como que pacientemente
À espera do quando
Desse quando de que cobardemente fugia
Mas de que naquele dia, naquele lugar conhecido, percebia
Ser o momento que mais me pertencia.
E fui. Os joelhos tremendo de temor
Com receio de ela ser o negrume que se dizia.
Mais de perto voltei a olhá-la
Defronte.
E como pareceu que sempre conhecera
Aqueles ternos olhos bassos
Que me lembravam a inocência que perdera
E me mostravam que o nunca ter tido
Não era senão, o mais poder amar!
E parti, com a paz e conforto
Do nunca mais ter que sentir o não sentir
E a dor podre que o era ter.

Catherine Vesnais

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Arte Blasfema?

Obra exposta no Museion, Museu de Arte Contemporânea em Bolzano, Itália

Já desde as controversas caricaturas de Maomé que a questão se impõe - Arte ou Blasfémia? Até onde vão os limites da pretensa fé e até que ponto não estarão estes a perigar o carácter crítico vinculativo da Arte?

Bento XVI defende que a obra “é ofensiva para os cristãos que vêem na cruz o símbolo da salvação”. Mas, e que dizer dos inúmeros atentados que por mais diversos meios têm sido feitos ao longo da História às minorias religiosas e a comunidades menos populares no Ocidente? Cruzadas diz-vos alguma coisa? E Inquisição e Index, again? Não, obrigada.

domingo, 24 de agosto de 2008

Thing of the Future

E depois da notícia de ontem, fazem-se de novo as malas ao som das relíquias deste ano (e pensa-se que a Joan seria melhor escolha).




I want to see people

vs

Joan As Police Woman - Sigur Rós

9 de Novembro - 11 de Novembro

Centro Cultural Olga Cadaval - Campo Pequeno


E agora? A hipótese de ir aos dois está, infelizmente, de fora.

sábado, 23 de agosto de 2008

N.º2

Joseph Biden é a opção de Obama para a vice-presidência norte-americana, optando o candidato pela experiência de Biden nas Relações Internacionais.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O mais brilhante dos meus diamantes



My Brightest Diamond - The Gentlest Gentleman

(Faixa não incluída no recente albúm A Thousand Shark's Theet)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Wall-E


Este não é mais um filme de robôs na era pós-Homem para menino-ou-menina ver com um balde de pipocas. E, por isto:

1 - O cenário apocalíptico de uma "garbage Earth" num filme de animação chega a arrepiar. Desprovida de vida humana, a Terra é um grande terreno de gigantes arranha-céus feitos de latas, patinhos de borracha, soutiens e todo o refugo e tralha possíveis. A camada de pó e as tempestades de areia são a nova atmosfera.

2 - Feito o trabalho sujo, a Humanidade, ou os seus resquícios, vive numa nave espacial, em que a comunicação virtual e o sedentarismo são a ordem do dia. Controlados por máquinas, a quem cabem as mais simples tarefas, os homens são obesos, fúteis e desprovidos, à partida de qualquer iniciativa e autonomia.

3 - O poder resgatador que a amizade e o amor podem ter. E a bondade que, até mesmo um rôbo isolado de tudo há centenas de anos, consegue demonstrar.
A ver.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Made in Of Montreal


Kevin Barnes e companhia regressam ainda no final deste ano para apresentar o sucessor do tão aclamado Hissing Fauna, Are You The Destroyer? de 2007. E se não vem incluído um fato de lagosta gigante em esponja, consta que Skeletal Lamping vai poder ser passeado, vestido ou utilizado na decoração do habitat dos melómanos da geek pop.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Da farsa do Olimpo

Depois da surpreendente abertura das Olimpíadas de Pequim, que tanto inebriou os mais vibrantes espíritos, cedo percebemos que, não obstante o brilhantismo e carácter exímio do evento, a superar de longe a cerimónia de Atenas, tudo mais não era que fachada. Desde os efeitos digitais, às ilegalidades da inclusão de atletas ginastas chinesas na competição, com idades inferiores às permitidas, parece que a mais chocante notícia foi a da 'pequena' que por ter os dentes tortos foi reputada de "bruxa-má-com-verruga-no-nariz", demasiado feia para a sua voz angelical, demasiado pouco perfeita para ser o símbolo de Pequim 08.
Por favor. Onde é que isto já se viu? Acho que nem os USA nos anos 30 desceram a manobras de "estirpe" tão reles para 'mundo ver'. Num dos eventos que mais tem marcado a História moderna pelo seu apelo ao mais puro humanismo e à união dos povos pela elevação humana mediante a força do corpo e o poder do espírito, a prova da clareza e da honestidade cai por terra de uma forma que, no mínimo, se pode dizer triste. Muito triste. Corrobora-se a tese de que em grandes momentos o que melhor se pode constatar é o cariz degradante a que a sociedade contemporânea chegou, preterindo a beleza artificial à limpidez e àquilo que de melhor existe no Homem. Nietzsche, parece que o teu super-homem chegou, mas nem um Anticristo de jeito trouxe para criar um nihil a sério. De entre os meandros da guerra política do Cáucaso, acho que mais grave que os conflitos pela autonomia das nações pulverizadas, está o baixo nível a que se chegou em prol de uma perfeição mecanizada aparente. E isto é coisa que, infelizmente, nem Agosto consegue apagar.
Acho que destes últimos tempos, a única coisa que por aí corre que deixe um laivo de jovialidade na cara de alguém são as vitórias do Phelps e ouvir dizer que uma das músicas de topo do Obama é o I'm on Fire. Obrigada Springsteen.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Packing

Fazem-se as malas, mas com mais uma boa notícia antes de partir.


Aimee Mann
18 de Outubro, Coliseu dos Recreios

terça-feira, 29 de julho de 2008

Tears for Affairs


I'm shedding tears for affairs
I’m a stupid little thing
Oh I can tell you this for nothing
You won’t win


segunda-feira, 28 de julho de 2008

El Cinema

Férias - o ócio reina e os prazeres tomam contam da alma e do corpo. Com pouca vontade de dar olás ao mundo, aqui deixo apenas sugestões para os dias de lazer, as que têm feito os meus, dias e noites. Nisto tenho que me opor ao David Berman ,"I do see the use in staying up just to watch tv."