Acordava nesse dia com o pesado estigma da realidade. Não queria. As páginas do calendário assinalavam aquela sexta-feira que queria simplesmente riscar, como um dia em vão, já findo. Pelo remorso da culpa, atravessou a porta e deixou-a bater, com uma inércia que a força do vento permitia. Antes disso, olhou-se ao espelho, penetrando o olhar irmão reproduzido e apreciou as olheiras sintomáticas da sua indiferença pelo quotidiano, e o branco já sujo dos olhos. Esses olhos já desencorajados, já desavergonhados, sem pudor de nada omitir. Esses olhos carregados de vácuo, dessa pesada leveza que amiúde se esvai, sem requisito prévio ou autorização. Ao sair, percebe-se, no fim das contas, em simetria com o mundo, hoje incerto, gélido e de pingos inevitáveis. E de olhos já trémulos, deixa-os ir, ao sabor da chuva.
1 comentário:
Gosto... Gosto mesmo.
Enviar um comentário