Estamos em 1950. A 2ª Guerra Mundial e os seus hediondos crimes eram ainda realidades recentes. O temor por o eclodir de uma nova guerra, apesar das múltiplas estratégias de reconstrução de uma Europa destruída, fazia, porém, já ressentir-se. Guerra tácita desta vez. Guerra de dissuasão. Guerra de negociação entre os donos do mundo. Ao certo, ninguém sabia o que esperar. Nem mesmo as mais ilustres mentes de então, como Hanna Arendt, que escreveu isto.
"Duas guerras mundiais numa geração, separadas por uma série initerrupta de guerras locais e revoluções, e que não foram seguidas de tratado de paz para os vencidos e de trégua para os vencedores, levaram à antevisão de uma terceira guerra mundial entre as duas grandes potências que ficaram. O momento de expectativa é como a calma que sobrevém quando já não há esperança. Já não ansiamos por uma eventual restauração da antiga ordem do mundo com todas as suas tradições, nem pela reintegração das massas de cinco continentes, arremessadas ao caos produzido pela violência das guerras e das revoluções e pela progressiva decadência do que restou. Nas mais diversas condições e nas circunstâncias mais diferentes contemplamos a evolução dos mesmos fenómenos - entre eles o que resulta no problema de refugiados, gente destituída de lar em número sem precedentes, gente desprovida de raízes em intensidade inaudita.
Nunca antes o nosso futuro foi mais imprevisível, nunca dependemos tanto de forças políticas que podem a qualquer instante fugir às regras do bom senso e do interesse próprio - forças que pareceriam insanas se fossem medidas pelos padrões dos séculos anteriores. É como se a humanidade se tivesse dividido entre os que acreditam na omnipotência humana (e que julgam ser tudo possível a partir da adequada organização das massas nesse sentido), e os que têm como principal experiência da vida a falta de qualquer poder.
A análise histórica e o pensamento político permitem crer, embora de modo indefinido e genérico, que a estrutura essencial de toda a civilização atingiu o ponto de ruptura. (...) Incomensurável esperança, entremeada com indescritível temor, parece corresponder melhor a esses acontecimentos que o juízo equilibrado e o discernimento comedido. Mas os eventos fundamentais do nosso tempo preocupam do mesmo modo os que acreditam na ruína e os que se entregam ao optimismo temerário.
Já não podemos dar-nos ao luxo de extrair aquilo que foi bom no passado e simplesmente chamá-lo de nossa herança, deixar de lado o mau e simplesmente considerá-lo um peso morto, que o tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. (...) Esta é a realidade em que vivemos. E é por isto que são inúteis todos os esforços feitos para fugir ao horror do presente na nostalgia por um passado ainda eventualmente intacto ou no antecipado oblívio de um futuro melhor".
Hillary, devias ler mais Hanna Arendt.
4 comentários:
Deixa lá a senhora fazer o seu trabalho pá! Feitiozinho...
Trabalho? Sim, doméstico.
que fazer? - como diria lenine, salvo seja.
Toda a gente devia ler o génio que foi Arendt... Talvez se erradicassem algumas das pragas que ainda persistem neste mundo...
Bem visto!
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