Os vaticínios mais ou menos apocalípticos de final de ano são sempre curiosos. Em geral, à revelia de se pressagiar um 'difícil ano económico', as perspectivas tendem a ser optimistas, e, talvez neste final de 2008, o mundo aguarde soluções como provavelmente não se via desde o final da 2ª Guerra Mundial. A verdade é que, se recordarmos palavras de Walter Benjamin escritas em 1955, as expectativas ingénuas esboroam-se e levam-nos a crer que a instabilidade, a insegurança e a anulação da efectiva liberdade voltam como novos slogans de uma sociedade que vive cada vez mais para o disfarce (já Obama diz que vai mandar reforços para o Afeganistão). A guerra, a guerra.
A crescente proletarização do homem contemporâneo e a crescente formação de massas são duas faces da mesma medalha. O fascismo tenta organizar as massas recentemente proletarizadas, sem tocar nas relações de propriedade que estas pretendem eliminar. O fascismo vê a sua salvação no facto de permitir às massas que se exprimam mas, de modo nenhum, que exerçam os seus direitos. As massas têm direito a exigir uma alteração das relações de propriedade; o fascismo pretende dar-lhes expressão, conservando essas relações. Por conseguinte, o fascismo acaba por introduzir uma estetização na vida política. À violência sobre as massas a quem, através do culto de um 'fuhrer', o fascismo impõe a subjugação, corresponde a violência que sofre um aparelho utilizado so serviço da produção de valores de culto.
Todos os esforços para introduzir uma estética na política culminam num ponto: a guerra. A guerra, e só a guerra, torna possível fazer de movimentos de massas em grande escala um objectivo, mantendo as relações de propriedade tradicionais. Do ponto de vista político, assim se formula a situação. Do ponto de vista da técnica, formula-se da seguinte forma: só a guerra possibilita a mobilização dos actuais meios técnicos, mantendo as relações de propriedade. É evidente que a apoteose fascista da guerra não utiliza este argumento. No manifesto de Marinetti, sobre a guerra colonial etíope, diz-se: 'Há vinte e sete anos que nós, futuristas, nos manifestamos contra o facto de se designar a guerra como antiestética... por conseguinte, declaramos: ... a guerra é bela porque fundamenta o domínio do homem sobre a maquinaria subjugada, graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e tanques. A guerra é bela porque inaugura a sonhada metalização do corpo humano. A guerra é bela porque enriquece um prado florescente com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela porque reúne numa sinfonia o fogo das espingardas, dos canhões, dos cessar-fogo, os perfumes e os odores da putrefacção. A guerra é bela porque cria novas arquitecturas, como a dos grandes tanques, a da geometria de aviões em formação, a das espirais de fumo de aldeias a arder, e muitas outras'.
Este manifesto tem a vatagem de ser claro. A estética da guerra actual apresenta-se-lhe da seguinte forma: se o aproveitamento natural das forças produtivas for travado pelo sistema de propriedade, então o aumento de recursos técnicos, de ritmo, de fontes de energia, será impelido a uma valorização não natural. É o que sucede na guerra que, com as suas destruições, demonstra que a sociedade não tinha maturidade suficiente para incorporar a técnica como órgão seu, e de que a técnica não estava suficientemente desenvolvida para dominar as suas forças sociais elementares. A guerra imperialista é determinada, nos seus mais terríveis aspectos, pela discrepância entre os poderosos meios de produção e o seu aproveitamento inadequado no processo produtivo (pelo desemprego e escassez de mercados). A guerra imperialista é uma revolta da técnica que reclama sob a forma de 'material humano' aquilo que a sociedade lhe retirou como material natural. Em vez de canalizar rios, conduz a corrente humana ao leito das suas trincheiras, em vez de lançar sementes dos seus aviões, lança bombas incendiárias sobre cidades e, como a guerra do gás, encontrou um meio de aniquilar a aura, de uma nova forma.
"Que a arte se realize, mesmo que o mundo deva perecer", diz o fascismo e, como Marinetti reconhece, espera que a guerra forneça a satisfação artística da percepção dos sentidos alterados pela técnica. Isto é, evidentemente, a consumação da 'l'art pour l'art'. A humanidade que, outrora, com Homero, era um objecto de contemplação para os deuses do Olimpo, é agora objecto de auto-contemplação. A sua auto-alienação atingiu um grau tal que lhe permite assistir à sua própria destruição, como a um prazer estético de primeiro plano.