quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

what about reading

Os seres humanos são animais conhecedores do facto de terem de morrer. Sabem que as suas vidas são modeladas tal como se modelam as histórias, com princípio, meio e fim, fim este inelutável. Penso que a leitura consiste, entre outras coisas, também em reconhecer e em encarar os sinais desse modelo. Lemos a vida tal como lemos os livros e a actividade da leitura é, de facto, uma questão de abrir caminho através de sinais e de textos a fim de entender com maior profundidade e clareza não só aquilo que neles descobrimos, mas também as nossas próprias situações, tanto na sua especificidade e historicidade como nas suas dimensões mais permanentes e inevitáveis.


Mesmo o mais feliz dos epílogos textuais não deixa de ser um fim, uma espécie de morte. Lemos, sabendo que são limitadas as nossas vidas de leitores desse texto particular e que, a cada palavra, mais nos aproximamos do final. Conquanto uma dada narrativa possa transmitir-nos a urgência de prosseguir até à respectiva conclusão, existe algo em nós que se rebela contra este impulso. Ansiamos por terminar uma história, conhecer-lhe o desenlace, sentir o deleite, a catarse ou seja o que for que nos aguarde no final, mas, ao mesmo tempo - e quanto mais prazer o livro nos proporcionar mais forte será tal sentimento - não desejamos que ela termine, queremos que prossiga para sempre. Os livros, porém, tal como as vidas, não continuam indefinidamente. É certo que se pode reler um livro, que se pode recomeçar, tal como Platão acreditava que as almas recomeçavam a viver; mas também é verdade que, tal como Heraclito porventura diria, a mesma pessoa nunca lê o mesmo livro duas vezes.


(...) Se um livro, uma história ou qualquer outro texto se assemelha a uma pequena vida, e se a leitura consome um tempo precioso dessa outra história que pensamos ser a nossa vida, então é preciso tirar o maior proveito possível da leitura, tal como tiramos partido da vida.


A leitura recorda-nos que todos os textos terminam numa página em branco e que aquilo que obtemos de cada texto é exactamente compensado por aquilo que damos. A capacidade, conhecimentos e entrega ao texto determinará para cada pessoa o género de experiência que aquele lhe proporciona. A aprendizagem da leitura de livros - ou de quadros ou de fitas cinematográficas - não se resume à mera aquisição da informação contida nos textos; é também aprender a ler e a escrever o texto da vida individual. Assim considerada, a leitura não constitui um mero exercício académico, mas uma maneira de se aceitar o facto de que a vida tem uma duração limitada e de que, seja qual for o deleite que colhamos dela, este terá de resultar da força do compromisso com que nos rodeia. Faremos bem em ler a vida com a mesma energia que pomos na aprendizagem da leitura de textos. Todas as pessoas passam por algumas experiências que dir-se-ão exigir mais do que uma dose superficial de entendimento.

Robert Scholes in Protocolos de Leitura

2 comentários:

penim disse...

entrevistas em sete rios? agora sou eu o curioso.

penim disse...

mesmo sendo em ambiente académico, já é óptimo que andes a apalpar 'terreno comunicativo'. aliás, o ideal é nunca deixares de fazê-lo... há sempre cenas novas para descobrir :)

beijinho!