Mesmo o mais feliz dos epílogos textuais não deixa de ser um fim, uma espécie de morte. Lemos, sabendo que são limitadas as nossas vidas de leitores desse texto particular e que, a cada palavra, mais nos aproximamos do final. Conquanto uma dada narrativa possa transmitir-nos a urgência de prosseguir até à respectiva conclusão, existe algo em nós que se rebela contra este impulso. Ansiamos por terminar uma história, conhecer-lhe o desenlace, sentir o deleite, a catarse ou seja o que for que nos aguarde no final, mas, ao mesmo tempo - e quanto mais prazer o livro nos proporcionar mais forte será tal sentimento - não desejamos que ela termine, queremos que prossiga para sempre. Os livros, porém, tal como as vidas, não continuam indefinidamente. É certo que se pode reler um livro, que se pode recomeçar, tal como Platão acreditava que as almas recomeçavam a viver; mas também é verdade que, tal como Heraclito porventura diria, a mesma pessoa nunca lê o mesmo livro duas vezes.
(...) Se um livro, uma história ou qualquer outro texto se assemelha a uma pequena vida, e se a leitura consome um tempo precioso dessa outra história que pensamos ser a nossa vida, então é preciso tirar o maior proveito possível da leitura, tal como tiramos partido da vida.
A leitura recorda-nos que todos os textos terminam numa página em branco e que aquilo que obtemos de cada texto é exactamente compensado por aquilo que damos. A capacidade, conhecimentos e entrega ao texto determinará para cada pessoa o género de experiência que aquele lhe proporciona. A aprendizagem da leitura de livros - ou de quadros ou de fitas cinematográficas - não se resume à mera aquisição da informação contida nos textos; é também aprender a ler e a escrever o texto da vida individual. Assim considerada, a leitura não constitui um mero exercício académico, mas uma maneira de se aceitar o facto de que a vida tem uma duração limitada e de que, seja qual for o deleite que colhamos dela, este terá de resultar da força do compromisso com que nos rodeia. Faremos bem em ler a vida com a mesma energia que pomos na aprendizagem da leitura de textos. Todas as pessoas passam por algumas experiências que dir-se-ão exigir mais do que uma dose superficial de entendimento.
Robert Scholes in Protocolos de Leitura
2 comentários:
entrevistas em sete rios? agora sou eu o curioso.
mesmo sendo em ambiente académico, já é óptimo que andes a apalpar 'terreno comunicativo'. aliás, o ideal é nunca deixares de fazê-lo... há sempre cenas novas para descobrir :)
beijinho!
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