sábado, 7 de junho de 2008

Still ill ou da sanidade de espírito

A doença é muito provavelmente uma virtude. Sempre percebi que o olhar sobre o mundo é oscilante, mas, não obstante, sempre o pretendi, em última instância o mais humanisticamente real possível. No limbo entre o idealismo e o pragmatismo, entre a total elevação, e não raras vezes, pretensiosa alienação do mundo, e a descrença num sólido conjunto de princípios ético-morais, superiores à efemeridade, está efectivamente, e hoje digo-o sem dúvidas, a visão mais equilibrada, genuína, sã e humanística que um ser humano na sua vã existência pode ter.

Foi à luz de grandes pensadores que fui chegando, passo a passo trémulo, a esta conclusão. Desde o fascinante Sócrates, descalço e de simples trajes, sem saber ler nem escrever numa sociedade elitista, condenado à morte injustamente por "dar à luz" a capacidade de interrogação do outro, passando pelo próprio Cristo, que à revelia do culto em seu torno gerado, nos legou máximas de vida e algumas das mais belas parábolas conhecidas no mundo ocidental, e, por fim (the last, but not the least) a Modernidade, os teóricos das Luzes. Aqui, entre muitos outros, podemos relembrar Kant que à civilização deixou uma das mais belas e densas afirmações de que há memória na História: age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.

Ainda retomando a Antiguidade, o antídoto perfeito para a salvaguarda do espírito pode ser também ele encontrado em Séneca. Mais do que doutrinar ou manipular, ensinou o valor da prática do bem, da perenidade da boa, aceitável e matricial natureza humana e do compromisso do indivíduo com a humanidade e com a moral. Estava então em condições de afirmar que o laço mais forte a prender-te à prática da virtude é este: comprometeste-te a ser um homem de bem.

Compromisso este com os princípios, com os outros, mas sobretudo consigo mesmo. Foi e é este ainda o legado maior da filosofia, que mais do que teoria, que mais do que disciplina,se afigura sobretudo como modo de vida.

Hoje estou certa de que mais do que a pretensão de ser popular numa sociedade do show business como a nossa, em que um dia se está dentro e noutro fora, em que um dia se é amado, noutro odiado, o melhor é mesmo que, chegando ao abismo, se retome o fôlego e se aja, não hedonisticamente, mas, a partir do eu, se viva para o mundo.

Acho que, não ingenuamente, é isto que pretendo ser, e, retomando Wilde, só posso rematar dizendo que só compreendendo o que sou é que eu encontro algum conforto.

2 comentários:

Francisco disse...

fogo, o de profundis 'tá te a cair bem :)

F. disse...

Obrigado pela visita.
Bons discos.